margens margens

Curso Teórico de Ilustração/BD

meninas ursas e meninos selvagens

Posted on: Abril 7th, 2014 by mm No Comments

Os ursos fazem maldades aos meninos…

e aos sobrinhos do pato Donald também…

urso e menino, catedral de Plasencia

o urso da Candelária

Os romanos festejavam as luzes com o aspergilium das velas que anunciavam a Primavera. O mundo católico recorda a dádiva em nome da purificação da Senhora das Candeias (Se a Senhora das Candeias rir, está o inverno para vir. Se a Senhora das Candeias chora, está o inverno fora), bem presente em muitas festas e procissões do nosso país, a que o jacobinismo travestido de suposto laicismo ainda não conseguiu deitar mão.

cadeiral da catedral de Colónia, séc. XIV, urso/diabo/mascarada de carnaval?

Mas é também o dia em que o urso acorda da longa hibernação ditando as mesmas sortes para a natureza.
No entanto, o urso não se limitava a acordar e a dizer o boletim meteorológico. Estava-lhe também confinado o sacrifício exorcizador das forças das trevas. Daí a passagem para as lendas do encontro do diabo verde (selvagem e silvestre) com o cavaleiro e a pele do urso que o vai tornar cativo. O estatuto era tão ambíguo quanto a sorte das irmãs da princesa que dele se apaixona e que Grimm recompilou no conto, ou que, numa versão mais recente, fez do Tom Waits o urso dançarino em versão cinéfila de lenda urbana e a cantar o Singapore.

O viajante que se embrenha na floresta, acaba por se tornar selvagem, cabendo-lhe o destino de guardar a veste do Príncipe do Mundo/Diabo Verde/Pele de Urso. Com o destino cativo das mãos das tesouras, recebe a beleza, riqueza e amor e morte principescos, em troca do pacto com o demo.
Nunca se sabe o que um urso pode anunciar quando acorda- tanto pode vir a alegria da Primavera como o enfado melancólico- e voltar a hibernar para prolongar o Inverno do nosso descontentamento.

Preliminares ursulinos

Pois bem, o que pensariam se lhes dissesse que há muita coisa em comum entre o acordar do urso e o aparecimento das regras nas meninas virgens, quando ficam selvagens?
festa do urso em Arles

Selvagem Saint-Martin, Ambierle, séc. XV

E, se acrescentasse que é história relacionada com amazonas ou raparigas de Lemnos que se abandalharam na coquetterie, recebendo o castigo de passarem a cheirar mal, espantando a homenzarrada toda?
Alberto Giacometti

mulher guerreira da ilha de Lemnos

Ou que tudo isto também pode incluir donas Bernardas e Brancas-Flores, ou Manekas vítimas de assédio incestuoso, a quem cortam as mãos e largam na floresta, até ao dia em que… das regras nasce príncipe e a floresta rejubila.

Edwin Austin Abbey(1852-1911)-Galahad Parts From His Bride Blanchefleur


Ou ainda, que os rapazes ganham pêlo quando se aproximam destas meninas impuras e depois entregam-se a mesnadas de bandos guerreiros, um tanto a dar para o gay?

E, por último, que entre irmandades de ursas e peles de lobo, também podemos ir ter aos escuteiros lobitos, sobrinhos do pato Donald?

Bem, neste caso, eram capazes de pensar que eu me tinha passado e, se calhar, tinham razão…

Aguarde pelos próximos episódios das ursas, acompanhadas da respectiva bibliografia…

Ursas no dia do senhor

Pedauca

Se pensa que a Berta do Pé Grande , mulher de Pepino o Breve e mãe de Carlos Magno, não tem nada a ver com as ursas; também está muito enganado.
Berta do Pé Grande, jardim das raínhas, Luxembourg

 Saint Sernin de Toulouse

Smithfield Decretals-Decretals of Gregory IX

As meninas, quando eram levadas pelo urso no dia do senhor- acabavam com pés de pata- o sinal dos leprosos. À rainha Pedauca aconteceu-lhe o mesmo e aquelas termas que mandou edificar em Garonne, não foram por acaso.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e9/Schneeweisschen_und_Rosenrot3.jpg

Quando as rainhas e as meninas Melusines ou Rosetas/Rosauras se banham, atacadas pelo mal de S. Silvano; o gémeo do Silvestre, o que as possuir tem o destino marcado.
Silvanus

O Silvano- silveste e selvagem disputa-a em Fevereiro. Em Novembro nasce o filho da que ainda tem as rosas- no tempo das regras, na da Lua Nova- é o leproso das almas dos mortos, e o urso volta a hibernar.
L’Ystoire de Merlin, manuscrito séc. XV, folio 63 v.º: Merlin quando nasceu era peludo como um urso. BNF

A geminalidade destas meninas nas “ursas” nome que se dava às jovens gregas sujeitas aos ritos iniciáticos que acompanhavam o aparecimento das primeiras regras, tinham o efeito duplo de esterilizarem ou fertilizarem por meio das suas fluxos.
Se a menina estiver na periódica na lua cheia, fica de quarentena até à Primavera e os filhos nascerão como os ursos- no solstício de Inverno.

Se forem gerados a meio da Quaresma- no tempo da sereia ou da Serração da Velha, na Lua Velha- têm mais sorte- é o tempo das lavadeiras .

E…
se fossemos a forçar a nota, sem temer cair em blasfémia, quem sabe se as rosas milagreiras da Caritas de Isabel da Hungria ou da sua descendente- a nossa Rainha Santa Isabel, não eram outra variante dos efeitos da flor da ursa…
………………..
Consultar:
El camino de la oca
Gianfranco Russo, Il simbolo della Rosa nel Medioevo, inOrfeo”, Novembro, 2002.
Claude GAIGNEBET, J. Dominique LAJOUX, Art profane et religon populaire au Moyen Âge, PUF, Paris, 1985

Mannerbund dos sobrinhos do pato Donald

Continuando a história das ursas; das rosas e dos ursos iniciáticos, passemos agora aos efeitos que a selvajaria pode provocar, quando eles e elas se ficam pela vida em bando.
ursa Maior

Entre os gregos chamavam-se ursas às meninas na altura do aparecimento das primeiras regras. Vemo-las como a a pequena e grande ursa das constelações, a musa Calisto metamorfoseada por vingança dos ciúmes de Hera.
loba capitolina, etruscosAs virgens consagradas a Diana também se transformavam em ursas selvagens e tinham equivalente nas lobas, as prostitutas das festas das lupercalias.
A bestialização, como degeneração do carácter manifestava-se nas metamorfoses dos heróis, associando os ursos aos lobos.
Lycaon. Gravura de Hendrik Goltzius (1558-1617) para  As  Metamorfoses  de Ovídeo, livro I, 209 e seguintes.

A licantropia de Lycaon, tirano da Arcádia, castigado por Zeus e transformado em lobo, por ter o mau costume de comer os convidados, foi acompanhada pela descendência de filhas como ursas.
Piero di Cosimo,O achamento de Vulcano em Lemnos, c. 1495-1505

Em bandos de ursas guerreiras viviam as amazonas ou lemnianas, cujas artes de trabalho dos metais ensinaram a Hefaísto/Vulcano, quando aí foi parar, depois da expulsão do Olimpo.
As Lemnianas são as ursas impuras, sujeitas ao êxtase de mal sagrado, punidas por Afrodite a cheirarem mal e abandonadas pelos homens, revoltaram-se e degolaram-nos a todos numa só noite. Condenadas à esterilidade, são salvas pelo encontro dos viajantes – os Argonautas que com elas festejaram grande bacanal.

placa de bronze da ilha de Öland, Suécia, na Torslunda, séc VI dC.
No caso das irmandades de jovens ursos, as componentes homo-eróticas faziam parte da dos rituais de iniciação bélica. Atravessam uma vastíssima tradição guerreira que tanto passa pelos heróis das sagas nórdicas, como cavaleiros Teutónicos; da Távola Redonda ou Samurais e ainda podem chegar à juventude militarizada nazi.

O animal dos ritos guerreiros ou patrono totémico, tanto podia ser o urso, como o varrasco ou o lobo.
Por cá ainda temos a Porca de Murça, que é bem macho e, muito provavelmente, mais um urso a juntar aos guerreiros galaicos ou aos Vetões que faziam parte da história .

Um relato datado de 1580* conta a recepção destes grupos de ursos guerreiros de Dauphiné fizeram ao monarca Henrique II, numa entrada régia em Saint-Jean-de-Maurienne, no caminho para Turin.

Uma centena de homens vestidos com peles de ursos, armados de espadas, patrulharam o monarca pela cidade, até o conduzirem à igreja. Organizados em quatro colunas, tocando tambores, à semelhança de marcha militar, fizeram grandes facécias, enquanto imitavam os animais patronos, subindo a mastros, largando grandes urros, enquanto lutavam e dançavam em ronda.
O festim selvagem ainda rondou em vários feridos, quando a mesnada guerreira lançou o pânico entre as montadas dos servidores do monarca que forma lançados de um ponte abaixo.

Destes bandos de guerreiros nórdicos, de tribos germânicas ou dos Berserkir do país de Gales, apesar dos protestos de defensores dos animais, ainda se mantêm as reminiscências nos famosos toucados dos guardas de sua Majestade.

The Works of Rudyard Kipling Vol. VII: The Jungle Book, 1907.

Foi nestas práticas de iniciação e sobrevivência na vida selvagem que Baden Powell, o criador do escutismo, se inspirou, tendo como modelo o Livro da Selva do maçónico Ruydyard Kippling.
E é aqui que entram os sobrinhos do Pato Donald. Os lobitos, escuteiros mirins, inspiram-se nos rituais maçónicos que assim denominavam os jovens que acolhiam. Lobitos também eram as crias falsamente nascidas dos rituais dos solstícios, quando os homens grávidos, cobertos de peles de animais, simulavam partos na natureza com o mesmo sentido purificador das regras das ursas ou da ferrugem do Robigus, como já havíamos referido.

Quanto ao Huguinho, Zézinho e Luizinho, ainda se tramaram com aquela mania de se passarem por lobitos. A propaganda nazi viu neles um bom exemplo da utopia homo-erótica e desenhou-os em grande pompa, a citarem o Mein Kampf.

…………………………………
*Joseph Roman, La Guerre des paysans en Dauphiné (1579-1580), Valence, Chenevier imp. in 8º, 54p., 1877. p. 34-37.
Claude Gaignebet, op. cit.
Mircea Eliade, Rites and Symbols of Initiation: The Mysteries of Birth and Rebirth, Harper, 1965

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